Um icetea e o mundo real.

"I'm thinkin' bout how people fall in love in mysterious ways"  (clique na frase para uma trilha sonora)

“Coloquei um sobretudo vermelho, tomei uma boa dose de coragem e finalmente, desci lentamente os degraus. Saí de fininho do meu mundo. O vento frio é cortante, esvoaça meus cabelos e faz minhas bochechas ficarem vermelhas. Eu gosto. Ainda estou parada na calçada, essa hora do dia é movimentada. Dezenas de pessoas passam por mim em apenas alguns segundos, se esticar o braço, posso tocá-las. Minhas pernas parece terem se esquecido como se anda, “um pé atrás do outro” repito para mim mesma. Pareço uma criança. Devagarinho vou seguindo em frente, os Chamberlain se mudaram, eu não sabia. O petshop se mudou para outra rua e hoje de manhã um carro bateu num poste. Não sabia também. O centro ainda tem o cheiro de asfalto, terra e churros. A padaria da Dona Dulce fechou, queria tanto comer um sonho. Abriram várias lojas e restaurantes novos, percebo. Roubaram o celular da filha da Rebeca, era novo e o neto do seu Antônio sofreu um acidente na rodovia. Ah, o mundo real… Então é isso. Tem uma velhinha pedindo comida do outro lado da rua, comprei um lanche e um suco para ela, espero que seja o suficiente para uma tarde. Tem uma criança provando uma sapatilha rosa claro na loja ao lado, ela sorri para mim e eu devolvo o sorriso.
Entro em um restaurante calmo, compro um biscoito e um icetea. Estou no mundo real. Parecia pior nos meus sonhos, parecia o inferno conforme o Jornal Nacional. Talvez seja o inferno, mas hoje, dei sorte. Estou olhando pela janela do restaurante, mas desta vez não tem o que me separe da realidade, estou nela. Poderia me acostumar novamente com essa droga de mundo. Acho que poderia vê-lo melhor se parasse de dizer que ele é uma droga. Eu dou risada sozinha, estou feliz e não sei porquê. 

Um cara sentou na minha frente, ele diz que prefere café do que icetea, ele disse que icetea é para menininhas, eu sorri. Ele tem minha idade, seus cabelos são negros e seus olhos são castanhos claros. Ele é alto e seus braços são fortes, seus ombros são largos. Ele dá boas gargalhadas, é impossível não gargalhar junto com ele. Caminhamos a tarde inteira, falando sobre coisas banais. Sua música favorita é Boulevard Of Broken Dreams e a minha é Summer Paradise. Ele me perguntou qual é meu paraíso de verão e eu disse que era cedo demais para esse tipo de pergunta. Ele perguntou se amanhã eu responderia, eu respondi que não sabia nem qual seria meu jantar. Ele riu. O sol já ia se pondo, precisávamos voltar para casa. Eu me despedi, ele me deu um beijo no rosto e me entregou um papelzinho e saiu, engolido pela multidão. Um número. O número dele. Uma chance. Sempre acreditei em amor à primeira vista, mas nunca o vira fora dos filmes. Eu não sei se isto é amor à primeira vista. Eu não sei de muitas coisas e esqueci outras tantas. Até cheguei a esquecer que fora da minha casa, existe um mundo para ser visto. Mas acredito em segundas oportunidades. Acho que essa é a minha.”